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Tecnologia em excesso – Parte I – Desnitrificação

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Após acompanhar o hobby por muitos anos, observei algo curioso em relação às tendências que o aquarismo marinho tomou de alguns anos para cá. A abrangência dos comentários podem extrapolar o assunto central, que diz respeito a um questionamento que venho me fazendo:

Existiria atualmente no aquarismo marinho excesso de produtos e equipamentos se há alternativas menos dispendiosas e menos invasivas (ou seja; soluções mais “naturais” do que as que estão sendo aplicadas atualmente)?

Aquário de 1200 litros montado em dez/1999 - imagem de nov/2004

Em torno do ano 2000, parecia que a tendência do aquarismo pendia para sistemas que objetivavam soluções mais próximas ao conceito do que se chamou de “natural”, em oposição às muitas alternativas mais ou menos “tecnológicas”.

Após décadas de tentativas e erros para atingir a manutenção a longo prazo de corais vivos e outros invertebrados considerados delicados (visto que praticamente até o final da década de ’70 qualquer coral era considerado praticamente impossível de ser mantido em um aquário), iniciou-se um movimento de aquaristas com conceito mais “natural”.

Basedo num mix do parco material legado por Lee Eng (em que se vislumbrava  a possibilidade de manter aquários “naturais”), e várias outras técnicas, como a do hoje lendário Dr. Jaubert com seu sistema baseado na montagem de plenum com leito de substrato profundo, rochas vivas, forte iluminação, trocas permamentes de água em volume variável e apenas compressores de ar para movimento de água), uma corrente de aquaristas passou a utilizar o mínimo suficiente de equipamentos para chegar a resultados muito satisfatórios.

Muitos aquaristas passaram a pensar seus sistemas em algo como “menos é mais”, ou seja; montar sistemas com equipamentos de qualidade para a boa manutenção dos aquários, mas procurando sempre focar em soluções “naturais” para enfrentar problemas recorrentes do hobby como o acúmulo de nitratos e fosfatos no sistema.

As soluções aplicadas eram basicamente variações sobre o que passou a se chamar de “sistema Jaubert”.

Basicamente, incorporou-se ao sistema de substrato com leito profundo (provido ou não de um plenum) o uso de skimmer e bombas de circulação de água.

Plenum

O plenum é uma camada de água isolada abaixo do leito de substrato. Este é um exemplo de montagem bastante simples, usando placas perfuradas (furos bem pequenos) a fim de evitar que grãos do substrato invadam o plenum.

Esse sistema misto apresenta até hoje excelente solução para o problema com nitratos, desde que a manutenção do aquário seja levada de maneira apropriada.

A fim de procurar resolver o problema de acúmulo de fosfatos no aquário, lança-se mão da dosagem de “kalwasser” para reposição de água doce perdida por evaporação. Somada ao uso de potente skimmer, ocorre exportação de fosfatos do sistema.

Este artigo será dividido em cinco partes, sempre apresentando soluções práticas, visando o método mais natural possível, a fim de evitar as maiores dificuldades que tenho observado que aquaristas enfrentam permamentemente. São elas:

Desnitrificação

Fosfatos

Água – qualidade, movimento interno no aquário  e trocas parciais

Iluminação

Manutenção

Desnitrificação

Aquário com substrato de leito profundo com "areia" de Halimeda spp.

A colocação de animais no aquário tem importância razoável no processo, uma vez que animais que revolvem lenta mas permanentemente o substrato de fundo (geralmente detritívoros como pequenos pepinos do mar) e pequenos pagurídeos e ofiuróides formam um grupo de animais que reciclam matéria orgânica e restos de alimento oferecido aos peixes.

Outros animais ainda, que parecem simplesmente “brotar” por conta própria no aquário – na verdade, migrantes das rochas vivas – como uma verdadeira miríade de vermes, anfípodas e copépodes.

Além disso, ocorre a formação de colônias de bactérias de diversas espécies e cepas, que colonizarão o substrato de fundo de acordo com sua adaptabilidade à taxa de oxigênio dissolvido do meio.

As espécies e cepas de microrganismos que necessitam de alta taxa de oxigênio dissolvido na água formarão colônias na camada mais superficial do substrato de fundo, até cerca de 6 cm, e nas rochas do aquário (dependendo da porosidade da rocha usada, a profundidade que a colonização ocorrerá varia muito).

Abaixo dos 6 cm de profundidade, microrganismos de outras espécies e cepas formarão colônias no substrato de fundo.

A variedade de espécies e cepas desses microrganismos, dado que o aquário seja montado com substrato apropriado de profundidade mínima de 12 cm, proprocionará ao aquarista observar que o ciclo de nitrogênio típico nos sistemas aquáticos é resolvido de maneira “natural”, ao ponto de não ocorrer acúmulo do produto final de tal ciclo – os nitratos.

A partir deste ponto, levarei em conta apenas o substrato de fundo, tirando da equação as rochas do aquário. A razão para isso é simplificar a explanação sobre o processo de “desnitrificação”.

Interessante notar que por conta dos animais que habitam o substrato de fundo e do movimento de água imediatamente acima da camada de substrato de fundo, existe razoável variação de disponibilidade de oxigênio dissolvido verificável no leito de fundo.

Disponibilidade de oxigênio no leito de substrato causado por animais e efeito de advecção

O ciclo do nitrogênio no aquário é bastante conhecido, e é a base do que se habituou chamar de “biologia” do aquário.

Ofiúro vermelho, uma espécie importada de grande valor ornamental que também ajuda a limpar o fundo do aquário, se alimentando de restos do que é oferecido aos peixes

De forma bastante conscisa, o ciclo biológico do aquário é efetivado por micro e macro oganismos que formam colônias em qualquer superfície do aquário e decompõem matéria orgânica e inorgânica. O processo de conversão de aminoacidos em amônia é efetuado por microganismos heterotróficos num processo chamado de mineralização. Microrganismos autotróficos convertem amônia em nitrito e nitrato – o processo de nitrificação.

Ambos processos dependem da existência de alta taxa de oxigênio dissolvido na água, por isso são chamados de processos de oxidação.

espécies variadas de paguros que permanecem suficientemente pequenos - limpam a camada superficial do substrato e a revolvem permanentemente mas sem perturbar o leito

O produto final desse processo é o nitrato.

Além desse ponto, passamos ao processo de desnitrificação.

A desnitrificação é possível em aquários marinhos quando existem organismos que se utilizam de nitratos para cumprir alguma função de seus processos metabólicos. Algas, plantas como árvores de mangue e uma vasta gama de outros organismos podem absorver nitrato diretamente da água. Dentre todos os organismos consumidores de nitratos, porém, os que se destacam são bactérias capazes de viver em ambientes com baixo nível de oxigênio dissolvido – justamente aquelas que habitarão a enorme superfície disponível do substrato de fundo abaixo de 6 cm de profundidade. Esse processo é chamado de redução dissimilatória de nitratos, a desnitrificação, onde bactérias reduzem nitratos para nitritos, depois para os gases di-nitrogênio e óxido nitroso. Esses gases são liberados na água e atingem a superfície do aquário, sendo dissipados na atmosfera ou são absorvidos por cianobactérias.

Ao contrário da nitrificação, a desnitrificação libera na água íons hidroxila, que ajudam a elevar o pH da água e por conseqüência manter a reserva alcalina equilibrada.

Por fim, existem muitas possíveis causas para a formação de bolsões de hidrogênio sulfídrico no substrato de dundo, citando apenas como dois exemplos manutenção do aquário indequada e material inapropriado (tipo de areia,  cascalho, etc).

A formação desses bolsões não depende da profundidade do leito de substrato de fundo. Dependendo do material usado, pode ocorrer mesmo em leitos de pouca profundidade.

No entanto, apenas a súbita liberação de H2S na água, causada por uma eventual “explosão” do bolsão de gás formado causaria graves problemas ao aquário e seus habitantes. Se o aquário for montado e mantido de forma adequada, sempre haverá liberação de hidrogênio sulfídrico na água, mas em pequenas, permamentes e inofensivas quantidades.

O enxofre, parte do hidrogênio sulfídrico, tem importante papel no aquário e para seus habitantes, pois é um dos componentes da água.

Um sistema montado com essas características realmente resolve o problema de acúmulo de nitratos na água por alguns motivos muito simples:

1 – Existe enorme superfície disponível para a fixação de bactérias e outros microorganismos (ainda mais se somada àquela da rocha viva).

2 – O sistema, por ser muito dinâmico, é capaz de “consumir” o nitrato produzido no aquário de forma tal que o “saldo”de nitratos na água seja equivalente a “zero”. Esse comentário é muito importante, pois sempre haverá nitratos sendo “produzidos” no aquário, e se o sistema for bem montado, funcionará a contento. O conceito de “nitrato zero” é um “saldo” apenas, e não quer dizer que a água do aquário nunca tem nitratos. Muitos organismos do aquário não sobreviveriam sem nitratos.

3 – Dispensa-se, com o uso de um sistema como o apresentado, toda uma série de equipamentos e métodos de redução de nitratos, resolvendo a questão sem trabalho nenhum por parte do aquarista e de maneira eficiente e econômica – além do “approach” muito mais natural do que todas as opções que conheço para solucionar o acúmulo de NO3 na água do aquário.

Clique no link abaixo para ler a Parte II:

https://ricardomiozzo.wordpress.com/2010/09/09/